QUADRANTECTOMIA

Um pouco da história da cirurgia conservadora da mama (quadrantectomia).
 
A humanidade levou muitos anos para compreender o câncer e suas formas de ocorrência. Cremos que ainda exista uma infinidade de informações a serem desvendadas, mas não é falsa modéstia dizer que já caminhamos muito. Colocamos a seguir dados sobre a cirurgia conservadora da mama. Antes de sua criação, o tratamento cirúrgico era radical e mutilador, indenpendente do estágio da doença. Seu benefício às mulheres de hoje em dia, portanto, incalculável.
 
A cirurgia conservadora tornou-se opção no tratamento do câncer de mama apenas na década de 1980, quando importantes estudos demonstraram que a quadrantectomia associada a radioterapia alcançavam taxas de controle local e sobrevida global semelhantes às obtidas pela cirurgia radical (mastectomia – figuras 1 e 2) (1). Esta descoberta foi extremamente importante, pois permitiu reduzir a morbidade da cirurgia, sem reduzir a sua eficácia. O papel da radioterapia ganhou grande relevância no tratamento do câncer de mama, pois auxiliou de forma notória o controle local da doença (2). Fica a idéia de que o risco do câncer recidivar (voltar a se manifestar na mama) é muito grande quando não realizamos a radioterapia após a quadrantectomia.  
Figura 1 – após seguimento de 20 anos, o importante médico e pesquisador italiano Umberto Veronesi observou taxas maiores de recidiva do câncer na mama (recidiva local), nas pacientes que haviam realizado quadrante + radioterapia em relação aquelas mastectomizadas (8% x 2%).
 
 
Figura 2 – O pesquisador Umberto Veronesi em seu estudo reafirmou a segurança da quadrantectomia seguida de radioterapia ao obervar taxas semelhantes de sobrevida em comparação às mulheres submetidas a mastectomia.
 
 
A quebra de paradigmas permitiu a cirurgia da mama reinventar-se no final do século 20. O entendimento de que o câncer de mama é uma doença sistêmica (afeta todo o organismo) reduziu a magnitude da cirurgia, pois ser agressivo no local não garantia a ausência de doença a distância (metástases), a qual era a real culpada pelas mortes (3). Quem de fato define as metástases é o momento do diagnóstico. Se precoce, o risco de disseminação da doença é pequeno. Se tardio, o risco aumenta sobremaneira. Agora, realizar mastectomia ou cirurgia que conserve a mama (quadrantectomia) não irão alterar de forma significativa o risco de ocorrer doença à distância, e por conseguinte, a morte devido o câncer de mama.
 
 
Quais são os casos que podem se beneficiar da cirurgia conservadora (quadrantectomia)
 
Infelizmente nem todas mulheres com câncer de mama podem se beneficiar da cirurgia conservadora. Tumores muito volumosos, com resposta pobre a quimioterapia neoadjuvante (realizada antes da cirurgia), necessitam da mastectomia para adequado controle local da doença. Um quadrante, nestes casos, resultaria em deformidade local proibitiva, além de riscos maiores de recidiva local da doença. Tumores que se extendem para a pele da mama também encontram na mastectomia uma forma mais segura de tratamento. Pequenos vasos linfáticos subcutâneos (embaixo da pele) podem carregar células malignas para outras regiões da mama e comprometer a segurança da cirurgia conservadora (4). Quando a doença recidiva na mama após uma quadrantectomia prévia, a mastectomia se torna a melhor forma de tratamento na grande maioria dos casos. Colocamos abaixo outras condições que contraindicam a quadrantectomia (tabela abaixo):
   

 

Contra-indicações para cirurgia conservadora

 

Lesões extensas

Tumores > 5 cm *

Relação tumor mama insuficiente (lesões grandes em mamas pequenas)

Margens positivas persistentes após ressecção (quando existe lesão na periferia da área retirada. Reflete risco de haver doença residual na mama)

Microcalcificações suspeitas difusas (isto é, ocupando grande região da mama, ou maior de ¼ de sua área total)

Tumor multicêntrico (localizado em pontos distantes um do outro)

Impossibilidade de RT

Irradiação torácica prévia com alta dose

Primeiro e segundo trimestres da gestação

**

Previsão de mau resultado estético

Doença vascular do colágeno

 

Preferência de mastectomia pela paciente

Razões psicológicas, sociais ou familiares.

*  A quimioterapia neo-adjuvante pode ser indicada.
** Caso a quimiterapia esteja indicada durante o segundo e terceiro trimestres, a RT pode ser realizada após o parto.
 
 
Quais são as incisões possíveis para a quadrantectomia
 
Incisão: A- Elipse radial: incisão preferencial para tumores localizados no quadrante súpero-lateral e próximos à pele, no entanto pode ser executada em qualquer localização. Tem o benefício de permitir amplo acesso além de incluir a retirada da pele sobre o tumor. Obtem-se resultados estéticos desfavoráveis quando realizada nos quadrantes mediais (5). 
   
 
 
B- Areolar: primeira opção para tumores de localização central. Deve-se ter cuidado para lesões superficiais pois esta incisão preserva a pele sobrejacente.
 
 
 

C- Dupla incisão areolar: permite acesso formidável para tumores centrais mais volumosos ou pacientes com areola pequena.    
 
 
D- Arciforme: modalidade extremamente versátil, permite a retirada da pele sobre o tumor além de oferecer amplo acesso, com resultados estéticos animadores.
 
 

E- Incisão no sulco mamário: ótima opção para lesões localizadas na metade inferior da mama. Permite ocultar a incisão em regiões posteriores, no entanto deve ser evitada em tumores superficiais por não permitir exérese de pele sobrejacente.
 
 
F- Incisão axilar: indicada em tumores no quadrante súpero-lateral e prolongamento axilar. Deve ser evitada em tumores superficiais. O resultado estético justifica-se pela localização oculta da incisão, além de permitir abordagem axilar satisfatória.
 
 
 
A RETIRADA PARCIAL DA MAMA VAI GERAR UMA DEFORMIDADE?
 
Sem dúvida. Mas os resultados podem ficar muito bons a depender da quantidade de tecido a ser retirado.
 
Margens Cirúrgicas
 
Avaliação intraoperatória das margens: é passo obrigatório na cirugia conservadora, pois evita reinterveções cirúrgicas e melhora o resultado estético e psicológico final. O médico patologista, presente no momento da cirurgia, avalia a região periférica do fragmento retirado da mama em busca do câncer. Margens livres significa dizer que não foi encontrado câncer na periferia do quadrante; já no caso de margens comprometidas, a ampliação deve ser realizada imediatamente.   
 

Figura 2 –  Considerando A – tumor, B – tecido sadio, C – margem cirúrgica. A ilustração à direita revela o tumor (A) em direção à periferia do fragmento retirado até atingir a margem, que portanto está comprometida. Isso aumenta bastante o risco de lesão residual na mama. A esquerda a situação ideal, aonde o tumor permanece no centro do fragmento e não atinge a periferia do tumor. Portanto, margens livres. (imagem obtida no Brayson Medical Atlas).
 
 
Definição de margens cirúrgicas livres: margens cirúrgicas livres de carcinoma invasivo são fundamentais para um adequado controle local da doença. Até o momento não há consenso sobre este assunto, no entanto a única definição usada em trials randomizados controlados é a de tumor não tocando a margem (6). Estudos demonstram taxas de controle local de 95% em 10 anos quando esta definição foi associada à terapia sistêmica (5). Para o carcinoma in situ (quando a lesão ainda não é invasiva e não tem potencial de se disseminar) a margem deve distar ao menos 2mm da lesão. Em situações específicas, como em pacientes jovens ou subtipo histológico lobular, margens maiores podem ser obtidas porém não devem ser rotineiramente necessárias (7).
 
 
Referências:
 
1. Fisher B, Anderson S, Bryant J, Margolese RG, Deutsch M, Fisher ER, et al. Twenty-year follow-up of a randomized trial comparing total mastectomy, lumpect my, and lumpectomy plus irradiation for the treatment of invasive breast cancer. N Engl J Med. 2002 Oct 17;347(16):1233-41
 
2. Wapnir I, Anderson S, Mamounas E, et al. Survival after IBTR in NSABP node negative protocols B-13, B-14, B-19, B-20 and B-23. J Clin Oncol. 2005;23:8s.
 
3. Kaufmann M, Morrow M, von Minckwitz G, Harris JR. Locoregional treatment of primary breast cancer: consensus recommendations from an International Expert Panel. Cancer, 2010 Mar 1;116(5):1184-91.
 
4. Holmes, DR,  Schooler, W, Smith, R. Oncoplastic Approaches to Breast Conservation. International Journal of Breast Cancer, Vol 2011 (2011), Article ID 303879
 
5. A. Benson. Breast incisions for conservation surgery. Ann R Coll Surg Engl. 1997 May; 79(3): 233.E.
 
6. Morrow M. Breast conservation and negative margins: how much is enough?  Breast. 2009 Oct;18 Suppl 3:S84-6.
 
7. Plana MN, Carreira C, Muriel A, Chiva M, Abraira V, Emparanza JI, et al. Magnetic resonance imaging in the preoperative assessment of patients with primary breast cancer: systematic review of diagnostic accuracy and meta-analysis. Eur Radiol. 2012 Jan;22(1):26-38. Epub 2011 Aug 17.  

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