A mastectomia consiste na retirada da mama, incluindo a pele que a recobre e o mamilo. É uma cirurgia bastante antiga, descrita inicialmente em 1894 por um importante cirurgião americano chamado William Stewart Halsted (1). Nesta época a cirurgia era ultra-radical e além da mama, outras estruturas eram retiradas com objetivo de garantir a erradicação do tumor (figura 1).
Figura 1: Acima a esquerda o cirurgião de Nova Iorque, William Stewart Halsted. Ao lado, as condições em que a cirurgia foi idealizada em 1889. Abaixo, figura esquemática da cirurgia ultra-radical para o tratamento do câncer de mama publicada no artigo de Halsted.
As descobertas sobre o câncer de mama foram se acumulando. O benefício da radioterapia, por sua vez, foi adicionado ao tratamento. Os dados de estudos elaborados na europa e nos EUA descreviam mastectomias menos radicais, sem perda da eficácia do tratamento (2). Sendo assim, a retirada de estruturas musculares do tórax foram sendo paulatinamente abandonadas. A morbidade da cirurgia diminuiu e o aspecto pós-operatório tornou-se melhor.
Mais recentemente, a partir da década de 1990, alguns pesquisadores questionaram a necessidade da retirada da pele que recobre a mama. Segundo seus estudos, a preservação desta estrutura permitiria a recontrução mamária de forma mais natural, com melhora nos resultados cosméticos da mastectomia (3). Estudos subsequentes demonstraram que não houve aumento significativo do risco de recidiva do tumor com a preservação da pele. Nasceu então as mastectomias preservadoras de pele e/ou mamilo. Foi um salto muito grande na qualidade do tratamento cirúrgico do câncer de mama, já que os resultados pós-operatórios eram muito superiores àqueles da mastectomia clássica, ou mesmo a mastectomia descrita por Halsted (ultra-radical) (figura 2).
Figura 2: Acima a direita o resultado da mastectomia ultra-radical, como idealizada por Halsted. A esquerda o resultado pós-operatório tardio da mastectomia como realizada atualmente (mastectomia radical modificada). Abaixo, dois exemplos da mastectomia preservadora de pele e mamilo, seguidas de reconstrução com implantes de silicone.
Infelizmente nem todas as pacientes que necessitam da mastectomia, tem como opção a preservação da pele. É necessário que algumas exigências sejam cumpridas. O cirurgião da mama deve ser extremamente cauteloso na escolha da modalidade cirúrgica, pois além da segurança oncológica, aspectos anatômicos de cada mulher podem aumentar bastante o índice de complicações e tornar este procedimento inviável. Veja abaixo os casos em que a mastectomia é necessária (tabela 1):
Tabela 1
Indicações de Mastectomia Total
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Doença Benigna
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Tumor filódes volumoso
Mastite crônica (amplo prejuízo estético)
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CDIS
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Tumor palpável
Tumor multicêntrico
Microcalcificações suspeitas difusas
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Carcinoma Invasor
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Tumor multicêntrico
Relação tumor-mama desfavorável
Margens comprometidas após cirurgia conservadora
Recidiva local após cirurgia conservadora
Desejo da paciente
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Impossibilidade de RT
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RT torácica prévia
Doença do colágeno
Gestação
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Doença Metastática
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Tumor ulcerado (mastectomia higiênica)
Presença de condições cirúrgicas para se obter margens livres (4)
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Quais são os casos que podem se beneficiar da mastectomia preservadora de pele?
A doença por vezes não permite uma cirurgia segura sem que a pele e o mamilo sejam retirados em conjunto com a mama. Abaixo colocamos um quadro com as contraindicações para este tipo de procedimento (Tabela 2) (4):
Tabela 2
Contraindicações para a Mastectomia Preservadora de Pele
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1. Tumores que se extendem e comprometem a pele
2. Pacientes com tabagismo pesado (fumam mais de 1 maço/dia)*
3. Tumores muito volumosos (acima de 4-5cm)*
4. Pacientes que já tenham realizado radioterapia na mama comprometida
5. Mulheres que tenham mamas muito volumosas*
6. Comorbidades clínicas importantes (pessoas com a saúde debilitada devem optar por procedimentos mais simples e com menos riscos)
* situações de contraindicação relativa. Podem ser discutidas de forma individualizada.
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Como é a recuperação desta cirurgia ?
Em geral é tranquila! O pós-operatório das mastectomias clássicas não costuma cursar com dor. Algum incômodo pode ocorrer na região axilar e no braço do lado operado em virtude da cirurgia feita na axila. Entre as queixas mais frequentes, podemos citar o formigamento na face medial do braço, sensação de dormência nesta região, dor na face lateral do tórax (perto das costelas), entre outras (5). A magnitude destas queixas não é elevada, e grande parte das pacientes se recuperam de forma tranquila e rápida.
As mastectomias associadas a reconstrução com implantes podem ter uma recuperação mais delicada. Devido o posicionamento da prótese abaixo do músculo peitoral, a dor e o incômodo ao se contrair esta musculatura é frequente. Pode haver dor com a movimentação do tronco, sendo assim, no início pode ser difícil encontrar uma posição confortável para dormir... A melhora é observada dia-a-dia. Entretanto não há duvida que desconfortos e redução importante ou mesmo abolição da sensibilidade da mama irão permanacer. Digamos então que nem tudo volta ao normal. É necessário se adaptar a estas mudanças, inerentes ao procedimento cirúrgico realizado.
Quais são as complicações mais frequentes da mastectomia?
Incluem a “abertura dos pontos” (chamada de deiscência), hematomas, infecção da cicatriz, inchaços e acúmulo de líquidos no local operado (seroma). A necrose dos retalhos cutâneos (perda de sua vitalidade por falta de oxigênio ou pela agressão cirúrgica) é uma complicação pouco frequente, mas pode ocorrer. (figura 3). Todas elas são contornáveis. Potanto, não há motivos para desespero.
Figura 3: Acima a direita a deiscência, isto é, a abertura dos pontos da mastectomia, com exposição da prótese. Ao lado, a necrose dos retalhos da mastectomia. Abaixo a esquerda o cúmulo de líquido, denominado seroma. Ao lado o hematoma, que corresponde ao acúmulo de sangue na região da cirurgia.
Referências
1. Sakorafas GH, Safioleas M. Breast cancer surgery: an historical narrative. Part II. 18th and 19th centuries. Eur J Cancer Care (Engl). 2010 Jan 1;19(1):6-29.
2. Fisher B, Anderson S, Bryant J, Margolese RG, Deutsch M, Fisher ER, et al. Twenty-year follow-up of a randomized trial comparing total mastectomy, lumpectomy, and lumpectomy plus irradiation for the treatment of invasive breast cancer. N Engl J Med. 2002 Oct 17;347(16):1233-41
3. 10. Cunnick GH, Mokbel K. Skin-sparing mastectomy. Am J Surg. 2004 Jul;188(1):78-84.
4. Câncer de mama – tratamento multidisciplinar. Barros, ACSD; Buzaid, AC. Editora Dendrix. São Paulo, 2007.
5. Mastologia: condutas atuais. Elias, S; Facina, G; Neto, JTA; Nazário, ACP. Editora Manole, Barueri, SP, 2016.